‘Star Wars’ e ‘O Senhor dos Anéis’ são duas franquias amadas entre os devotos de fantasia, e a verdade é que eles têm muito em comum. Ambos apresentam histórias que duram décadas e impactam gerações de fãs. Ambos contam uma história de confronto entre o Bem e o Mal, cada um com seus próprios códigos e recursos.mas ambos estão muito conscientes de que estão lidando com tropos que têm suas raízes nas mitologias e no subconsciente coletivo.
De um ponto de vista mais prosaico, ambas as histórias são estruturadas em trilogias, embora na época dos romances de Tolkien esse formato não fosse tão comercializado como é agora. E, de qualquer forma, ambos tiveram múltiplas ramificações nas mais diversas mídias, impressas ou não, audiovisuais ou não. De certa forma (mais uma vez, mil nuances aqui) contra as intenções de seus criadores originais.
É precisamente este penúltimo aspecto, a facilidade com que foram transferidos para outros meios, que permite comparar ambas as franquias de um ponto de vista diferente e traçar uma série de evoluções em suas longas histórias. E, sobretudo, refletir sobre quais novos caminhos estão abertos para ambos.
Em um pixel muito, muito distante…
Se há inúmeros detalhes que aproximam as duas franquias em termos de narrativa e de relacionamento dos fãs com elas, há muitos outros que, sem dúvida, as distanciam. Como produtos pertencentes a épocas muito diferentes, sua exploração comercial também foi diferenciada. Embora nesse sentido, a importância de ‘Star Wars’ seja essencial na indústria: é impossível entender o fenômeno da merchandising e spin-offs sem o sucesso do primeiro filme de 1977.
É por isso que, praticamente desde o início, ‘Star Wars’ esteve ligado a inúmeras adaptações. Os mais populares em seus primórdios, sem dúvida, foram os quadrinhos da Marvel, que incluiu adaptações dos dois primeiros filmes e durou 107 edições, além dos inúmeros livros que gerou, adaptando os filmes ou com novas tramas que em sua maioria passaram a fazer parte do universo expandido que mais tarde foi retirado do cânone. E, claro, videogames.

Guerra nas Estrelas (1983)
Pode-se dizer que os videogames como entretenimento popular e ‘Star Wars’ e suas primeiras sequências nasceram quase ao mesmo tempo. É por isso que, desde o início, vimos jogos adaptando seu rico universo. Os anos 1980 e início dos anos 1990 foram especialmente ricos em títulos de qualidade nesse sentido: os arcades Atari de 1983 e 1985 adaptando os dois primeiros filmes ainda hoje continuam a brilhar com seus gráficos vetoriais, e o arcade que levou ‘O Retorno de Jedi’ como um referência ‘ também foi memorável.
Nos anos 90 veio uma verdadeira explosão de obras-primas: da trilogia ‘Super Star Wars’, talvez os melhores jogos da história da franquia, aos namoros com o gênero atirador (‘Star Wars Dark Forces’) ou, já na virada da década, os dois ‘Rogue Squadron’ e suas simulações de voo estelares ou a saga ‘X-Wing’ (especialmente a segunda, ‘TIE Fighter’). Deixamos muitos no pipeline, mas aqui você pode começar a ver para onde estamos indo: a variedade de gêneros e abordagens da franquia é a melhor prova de quão profundo é o universo cinematográfico criado por George Lucas.

Super Guerra nas Estrelas
E a coisa continua nas últimas décadas, com o hardware ganhando força e permitindo abordagens absolutamente diversas e para todos os gostos: o mundo de RPG avassalador de ‘Knights of The Old Republic’, a diversão sem fim de ‘LEGO Star Wars’, a ação Jedi de ‘Jedi Knight’ e ‘Jedi Outcast’, os tiroteios estratégicos de ‘Republic Commando’ ou o ‘Battlefront’ até o mais recente e também maravilhoso ‘Fallen Order’. Toda uma panóplia de jogos (onde também houve maus e muito maus, claro), mas cuja grande virtude reside na sua variedade.
A versão da Terra Média
E embora como em ‘Star Wars’, ‘O Senhor dos Anéis’ exista praticamente desde a massificação dos videogames, sua transição para os videogames tem sido diferente. Nas décadas de 1980 e 1990, os romances eram um objeto de culto para um número incomparavelmente menor de jogadores., e os jogos, muito mais modestos. A Melbourne House, por exemplo, lançou algumas aventuras de texto, mais notavelmente ‘O Hobbit’ e, mais tarde, um jogo de estratégia em tempo real.

O Hobbit
Na década de 1990, a Interplay, em colaboração com a Electronic Arts, lançaria alguns jogos de RPG baseados nos dois primeiros livros, mas sua aceitação limitada impediu que um terceiro fosse feito. As diferenças com os jogos da época baseados em ‘Star Wars’ são abismais não só nos recursos utilizados, mas também em um detalhe ainda mais frontal: enquanto visualmente todos os jogos ‘Star Wars’, independentemente do gênero que fossem, obedeciam a uma estética comum fornecida pelos filmes, os livros de Tolkien eram mais abertos à interpretação em muitos aspectos.
Além disso, com a chegada dos filmes de Peter Jackson desde 2001, surgiu uma situação muito especial: A EA tinha os direitos dos filmes de Peter Jackson, enquanto a Vivendi tinha os direitos dos livros., algo impensável com uma franquia dirigida com mão de ferro como ‘Star Wars’. Desde 2005, a EA unificou os direitos, com jogos de aventura baseados na trilogia de filmes, que se somaram aos anteriores do outro grande gênero que a franquia cultivou, a estratégia.
Desde então temos visto outros jogos já à sombra dos filmes de Jackson, mas também com os livros como referência: desde o enorme papel online de ‘O Senhor dos Anéis Online: Sombras de Angmar’ até a ação de guerra de ‘The Senhor dos Anéis: Conquista’ passando, é claro, pelos ataques LEGO ou pela virada para ações mais violentas como ‘Guerra no Norte’ ou o notável ‘Terra-média: Sombras de Mordor’ ou ‘Terra-média: Sombras de War’, ambos não-canônicos. Algo também impensável em uma franquia rigidamente controlada por seus donos, como ‘Star Wars’.
O que ‘O Senhor dos Anéis’ tem que aprender?
Detalhes à parte (a pequena unidade estética de LOTR antes da chegada dos filmes de Peter Jackson, que LOTR não tinha jogos mainstream até os anos 2000), existe uma característica principal que faz com que os jogos baseados em ambas as franquias sejam diferentes. Os jogos ‘Star Wars’ conseguiram arranhar melhor os cantos de sua franquia para dar origem a jogos mais variados… sem deixar de ser títulos ‘Star Wars’.

Cavaleiros da República Velha
Talvez devido ao surgimento, desde muito cedo, de produtos derivados, como os quadrinhos da Marvel, que se expandiram oficialmente, mas totalmente fora do controle de George Lucas, o universo original, ‘Star Wars’ se acostumou a crescer quase descontroladamente O catálogo de raças, planetas, fatos históricos mas que se encaixavam na história central, tudo parecia virtualmente infinito, e os jogos tiravam daí para enriquecer seus jogos, embora continuassem adaptando filmes específicos.
Um ‘Cavaleiros da Velha República’ ambientado na Terra-média, por exemplo, seria muito possível considerando a amplitude e riqueza dos romances de Tolkien, e ainda assim é um objetivo que não foi alcançado (apesar de experimentos interessantes em termos de amplitude do mundo, como ‘O Senhor dos Anéis Online’, que por razões óbvias não atingiu a complexidade dramática do jogo ‘Star Wars’). A razão é que continuamos a identificar ‘O Senhor dos Anéis’ com as batalhas e a ação, mas não com personagens tridimensionais eles podem crescer em um mundo complexo, como a BioWare deu à luz.
Um exemplo claro nesse sentido: quando quiseram continuar explorando os filmes de Peter Jackson, mas as adaptações oficiais dos filmes já haviam sido lançadas, optaram por ‘Aragorn’s Quest’, que simplesmente contava a história usual do ponto de vista de outro personagem. Trata-se, talvez, de falta de abertura de espírito.
‘O senhor dos Anéis’ não deve se contentar com uma série de hack’n slashes que permanecem na superfície dos livros e filmes. Embora no momento não haja nada por vir (além do inevitável e previsível título para celular), talvez a nova série Prime Video, ‘The Rings of Power’, seja uma boa desculpa para tentar construir o jogo que a saga merece .