A Andaluzia quer introduzir a Semana Santa nas suas salas de aula. E embora o tenha feito com o argumento da tradição musical e enfatizando o peso das irmandades na cultura regional, sua tentativa já provocou um forte debate na comunidade. Entre os dirigentes, professores e associações de pais de escolas públicas, levantam-se vozes alertando que a iniciativa do Governo presidido por Juanma Moreno Bonilla (PP) procura “impor uma determinada posição ideológica” e vai contra o carácter não confessional previsto na própria Lei. Constituição.
A polêmica está servida.
A circular da discórdia. A polémica que agita a educação pública andaluza parte de um texto muito específico, uma circular publicada segunda-feira pelo Departamento Comunitário de Desenvolvimento Educacional e Formação Profissional. Tem como objetivo “a promoção de atividades relacionadas com a música da Semana Santa”. O texto, de apenas três páginas, destaca o peso da música das irmandades na cultura da Andaluzia e incentiva as escolas e os professores a darem mais peso nas suas salas de aula a estas composições de carácter religioso. E não só isso. Também sugere maneiras de fazer isso.
Visitas às capelas. As iniciativas propostas na circular não são obrigatórias. Na verdade, quando se fala de centros educativos no texto, o verbo “poderá” é usado repetidas vezes, deixando espaço para que as próprias escolas e institutos decidam como tornar concretas as suas sugestões. O documento esclarece ainda que as atividades são “voluntárias” para os alunos e não serão avaliadas. Mas nem um nem outro impediram o Conselho de apresentar propostas para promover a música religiosa. E entre eles há alguns que alimentaram a polêmica.
Quando a assessoria explica quais tipos de atividades podem ser utilizadas para dar visibilidade à música religiosa, cita a organização de concertos em salas de aula, a possibilidade de os alunos assistirem aos ensaios de bandas, o estudo de determinados compositores… ou mesmo “visitas a capelas” e a “recriação de um pequeno museu da irmandade”.
Mas porque? Pelo peso cultural das irmandades, que – argumenta o Governo de Juanma Moreno – lhes confere uma dimensão que vai além da simples tradição católica. “A Semana Santa e a música processional constituem uma das referências criativas mais representativas do patrimônio cultural da Andaluzia”, afirma a circular lançada pelo Ministério da Educação.
E a seguir, lembre-se do Real Decreto de abril de 2017 que declara a Semana Santa como “manifestação representativa do patrimônio cultural imaterial”. Isso e a extensa legislação que estabelece que um dos principais objetivos da Educação Infantil, Primária, Secundária e Bacharelado na Andaluzia é precisamente “conhecer e respeitar o patrimônio cultural” da comunidade.
“Conflitos com o não-denominacionalismo”. Apesar dos argumentos do Conselho, nem todos veem favoravelmente o conteúdo da circular ou a ênfase que ela coloca na promoção da música religiosa em centros públicos. Um exemplo claro é o sindicato Ustea, que até preparou um comunicado recordando que boa parte dos alunos que frequentam escolas e institutos públicos na Andaluzia não recebem formação cristã por vontade expressa dos seus pais.
Segundo os dados geridos pela organização, 29,2% das famílias Primárias, 38,8% das famílias Secundárias e 35,7% das famílias Bachareladas optam por que os seus filhos não estudem a religião católica. Juntos, eles falam de um terço do total. E desse grupo de estudantes, esclarecem, a maioria não estuda nenhuma religião.
“Impor Semana Santa”. “Um terço dos estudantes das escolas públicas andaluzas optam por não estudar religião, mas o departamento decidiu promover que, nas próximas semanas, as atividades das escolas e institutos girem em torno de um ritual católico”, censura Ustea. No seu comunicado, o sindicato vai um passo mais longe e alerta que “a imposição da Semana Santa” nas salas de aula que dependem da administração “colide frontalmente com o não-denominacionalismo estabelecido na Constituição” e viola o direito à liberdade de consciência.
“Oficializar e normalizar”. De qualquer forma, Ustea abre os holofotes e lembra que há anos denuncia representações de procissões religiosas, com meninos vestidos de costaleros ou legionários e meninas vestidas com mantilhas. Agora – censura o sindicato – a administração recorre ao “cabide” da música para “normalizar e oficializar a ocupação” dos centros educativos públicos, “dos seus espaços comuns e tempos lectivos, com práticas típicas da religião católica”.
Reclamações dos pais. A circular do Conselho também recebeu reclamações de pelo menos algumas associações de mães e pais de estudantes da Andaluzia. É o que afirma a confederação regional das Ampas para a educação pública (Codapa).
Terceira informação publicou ontem que o grupo chama a iniciativa de “ocorrência”, e sublinha: a sociedade andaluza é “mais laica do que o próprio Governo pretende”. “Essas circulares tentam calçar valores que não são os das escolas públicas, ao mesmo tempo que desviam a atenção do fechamento de salas de aula que as escolas públicas sofrem por mais um ano, bem como da permanência de proporções ilegais”, aponta o presidente. de Codapa, Marina Jiménez.
O fundo… e a forma. Se o conteúdo da circular gerou controvérsia, a sua forma também não ficou isenta de debate. Há quem questione a sua data de publicação, apenas duas semanas antes das férias da Páscoa, o que reduz a margem dos centros para agendar atividades; e que considera diretamente que o documento promove algumas atividades que se sobrepõem parcialmente ao que já é feito nas salas de aula. Como coletar O paíso peso das irmandades na comunidade leva muitos centros a ministrarem conteúdos relacionados à sua cultura.
“Minha professora de Música está assistindo percussão com as crianças do sexto ano e como aqui, em Écija, a Semana Santa é muito importante, ela ensina a matéria com marchas, mas já estava programado, ninguém precisa vir me avisar.”, explica ao jornal o diretor de um CEIP na Andaluzia.
Os professores responsáveis pelo ensino da música alertam ainda que o conteúdo da circular se traduz numa pressão extra para eles: “Maior carga horária para um grupo que está a ser muito mal tratado, principalmente no Primário, onde mal temos tempo para desenvolver o currículo “, lamentam.
Imagem | Jon Connell (Flickr)
Em Xataka | A Andaluzia retirou a disciplina de francês das suas salas de aula. Então a França levou a questão ao Senado