No mês passado iniciamos uma peculiar experiência literária: contar o que os editores do Xataka estão lendo, como complemento à nossa seleção de leituras para 2024. Não há limites: ensaios, fantasia, dramas íntimos e tudo o que pudermos cobrir. É isso que estamos lendo em abril de 2024, então fique atento, no próximo mês voltaremos com uma nova alcofa.
‘Catolicismo explicado às ovelhas’, de Juan Eslava Galán
Palavra que não foi premeditada, mas a Semana Santa me pegou com um livro muito relevante nas mãos: ‘O catolicismo explicado às ovelhas’, de Juan Eslava Galán. Entendo que pelo tema, tom e abordagem, não é um ensaio que agrade a todos, embora tenha me fisgado desde a primeira página. Nunca tinha lido nada de Eslava Galán antes, mas este primeiro contacto está a encorajar-me a continuar a aprofundar o seu trabalho, especialmente o informativo. ‘Catolicismo explicado às ovelhas’ é exatamente o que o título sugere: um ensaio crítico sobre o cristianismo com tom provocativo, irreverente e marcado por um sarcasmo bem elaborado. Independentemente de o livro estar bem documentado e estruturado, o que é, na minha humilde opinião, o que mais gosto na obra é o seu ponto mordaz. Já faz muito tempo que não encontro um livro como este, construído na pura ironia e com um tom corajoso e autoconsciente. É apreciado porque é um prazer lê-lo. Porque o resultado é um livro divertido, às vezes até hilário. E é especialmente apreciado quando se aborda um tema tão denso como a análise crítica da história e do credo do Cristianismo. Carlos Prego
Catolicismo explicado às ovelhas: 1 (Disseminação)
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‘A Dança da Eternidade’, de Jesús Quirosa
Em 7 de dezembro de 1982, Will Lee teve um ataque cardíaco. Lee, por mais de uma década, foi um dos personagens mais queridos da Vila Sésamo e sua morte pegou toda a equipe desprevenida. Durante meses, os roteiristas não sabiam bem o que fazer, até perceberem que eles, os atores e os pequenos espectadores tinham que se despedir dele. Um ano depois, no episódio 1839, os adultos do programa explicaram a Big Bird que o Sr. Hooper havia morrido. Não o via em criança (em 83 nem existia na imaginação dos meus pais) e, de facto, vi bastante tarde. Porém, não tenho dúvidas de que a cena do desenho é um dos momentos mais emocionantes que a televisão já proporcionou.
É também por isso que estou obcecado em encontrar maneiras de conversar com as crianças sobre a perda. Mas não vou fingir que estou aqui para recomendar o livro de hoje por causa de um episódio de televisão ocorrido há 40 anos. Venho falar com vocês sobre “A Dança da Eternidade” porque não é todo dia que alguém se torna a primeira pessoa a comprar um livro. Ainda mais quando você não conhece o autor, nem tem qualquer relacionamento com a editora.
Mas, por acaso ou sorte, entrei no lugar certo na hora certa justamente quando Jesus Quirosa começou a assinar os exemplares de todos aqueles que o adquiriram em pré-venda. Devemos valorizar as coincidências porque o livro é uma coisa linda que nos fala sobre “perda e amizade, sobre solidão, memória e amor”; o que demonstra, como se diz nas páginas finais, que “literatura infantil é coisa muito séria”. Javier Jiménez
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‘A Irmã do Sótão’, de Gøhril Gabrielsen
Escuro, amargo e difícil como as planícies congeladas da Noruega, onde tudo acontece. Uma cabana, duas irmãs e um confinamento claustrofóbico, não só físico, mas também mental. Investiga as relações familiares quando a doença e a dependência se cruzam, as relações de poder que isso implica. Você descobre aquela relação de amor e ódio muito complicada entre as duas irmãs, que faz com que toda a narrativa seja permeada de dúvidas, de não saber quem está falando a verdade, se o que está acontecendo é real ou se é paranóia de uma mente doente e quebrada. Oscila entre a realidade e o delírio. E tudo fica complicado quando um terceiro entra em cena. E embora você acabe não tendo empatia por nenhuma das duas irmãs, a narrativa te leva a continuar buscando aquele raio de esperança em meio a tantas trevas.
O estilo narrativo é direto e seco, o que dá a chave para uma história sombria e solitária. Está a meio caminho entre o romance gótico e o romance de mistério, brinca o tempo todo com o que você pode estar imaginando durante a leitura, e o que é melhor que isso?… Eva Lopez
‘Red Cobalt: O Congo sangra para você se conectar’, por Siddharth Kara
Um dos ensaios mais interessantes e comoventes que li nos últimos anos. O seu título diz-nos claramente o que vamos encontrar: um trabalho de investigação meticuloso e muito bem documentado sobre o impacto que a mineração de cobalto tem na população da República Democrática do Congo.
Este elemento químico é fundamental para sustentar a indústria tecnológica global, e nada menos que 75% do cobalto mundial provém deste país africano. O que a maioria dos consumidores estrangeiros de tecnologia não sabe é que as condições em que a extração deste elemento químico é realizada violam frequentemente os direitos humanos. Siddharth Kara remove o véu diante dos nossos olhos com a credibilidade que um tema tão delicado como este exige. Mais do que recomendado. Juan Carlos López
Cobalto vermelho: O Congo sangra para que você possa se conectar (ENSAIO)
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‘O Mágico do Kremlin’, de Giuliano da Empoli
Em entrevista ao Financial Times, Giuliano da Empoli explicou que o exercício do poder é eminentemente “violento”, embora essa violência nem sempre se manifeste fisicamente. Da Empoli sabe do que está falando. Foi conselheiro de Renzi durante o seu breve período à frente do governo italiano e teve a oportunidade de ver em primeira mão o coração político da Europa. Também a de Moscovo, cidade hoje, mais uma vez, como tantas outras na história do continente, imersa na escuridão e na incompreensão aos olhos do Ocidente.
Da Empoli ambienta seu primeiro romance na Rússia pós-Cortina de Ferro. Com a ajuda de um conselheiro e encanador do Kremlin, ele analisa a ascensão de Vladimir Putin ao poder. Seu estilo periférico (buena parte de la novela se compone de recomposiciones y recuerdos) é útil para compreender eso que Europa jamás ha comprendido del todo: el zeitgeist de Rusia, las particulares motivaciones, intereses y códigos culturales que dirigen la política y la sociedad del País. A Rússia é a Europa, mas a Rússia não é a Europa. Uma nuance que Da Empoli, com a ajuda dos seus personagens fictícios (exceto Putin), tenta vislumbrar.
Acima de tudo, ‘O Mágico do Kremlin’ é um grande retrato do poder e da política moderna. Da psicologia por trás de quem o aborda, do seu carácter filosófico e corpóreo, da sua natureza avassaladora, intimidadora e quase totalitária. E também foi escrito com muita delicadeza. Andrés P. Mohorte