Imagine ter um duplo, igual em todos os sentidos, partícula por partícula, que vive em um mundo igual ao nosso, também traçado no nível subatômico. Agora imagine esse universo sobreposto ao nosso, mas incapaz de interagir com ele, exceto em um aspecto: a gravidade. Essa imagem espelhada do mundo é o que foi proposto por cientistas das universidades do Novo México e da Califórnia, Davis. Há uma razão por trás desse exercício de imaginação, e é tentar resolver um dos grandes enigmas da cosmologia atual: a discrepância na constante de Hubble.
O enigma do Hubble.
A constante de Hubble é a taxa na qual o Universo está se expandindo. Sabemos há cerca de um século que existe uma “força” que empurra galáxias e outros objetos distantes para longe de nós. Essa “força” não existe, pois não empurra objetos ao longo de um estágio estático, mas altera o tamanho do próprio estágio: o Universo se expande.
Uma das perguntas que surgiriam depois de saber disso seria: com que velocidade ele faz isso? Essa velocidade é chamada de constante de Hubble (que não é estritamente constante nem velocidade), e temos várias maneiras de calculá-la.
Uma maneira é medir a velocidade com que objetos “próximos” no espaço, como supernovas, estão se movendo; a segunda é através da radiação de fundo de micro-ondas (CMB), uma radiação remanescente do Big Bang que ainda fervilha em torno de nosso ambiente e pode ser medida.
Uma pequena grande discrepância.
Bem, depois de anos de medições, aqueles que tentam medir a constante de Hubble discordam. Cada uma dessas medidas produz (embora de forma bastante consistente) um de dois resultados. À medida que os cosmólogos fazem mais medições com instrumentos mais precisos, obtêm resultados mais precisos, mas continuam a seguir um de dois caminhos, dependendo da metodologia utilizada. Um erro nas medições pode ser praticamente descartado.
Uma pista para entender a evolução do Universo
A velocidade é importante porque a partir daí podemos ter uma ideia do tamanho do universo observável e as supernovas nos dizem que o universo deve ser mais de 20% menor do que usando os dados do CMB, explica Cyr-Racine, um dos autores do artigo. Essa segunda medição também corresponde ao que é considerado o “modelo padrão” da cosmologia.
Um exemplo dessas discrepâncias foi dado recentemente pelo telescópio Hubble. Depois de anos coletando dados do satélite em galáxias a bilhões de anos-luz de distância e outras mais próximas, os cientistas da NASA publicaram seu cálculo da constante apenas algumas semanas atrás, que estava dentro do intervalo do que seria esperado dentro de sua metodologia. Mas 9% superior à velocidade calculada através do CMB.
A nova proposta para resolvê-lo.
A nova proposta foi publicada na revista Cartas de Revisão Física, mas não é totalmente novo. Em 2003, outra equipe de cosmólogos propôs uma alternativa semelhante, mas esse novo modelo refinou os cálculos baseados nas propriedades matemáticas dos modelos cosmológicos. Isso significa que o modelo que eles propõem pode se ajustar melhor aos dados observados.
Cyr-Racine admite que a ideia de um universo espelho inteiro nosso pode parecer loucura “mas tais mundos espelho têm uma extensa literatura em física em contextos muito diferentes, pois ajudam a resolver problemas importantes em física de partículas”. Ele continua explicando que seu trabalho nada mais é do que a aplicação desses estudos anteriores ao campo da cosmologia.
Um modelo que não explica tudo.
A proposta desse “mundo espelho” Cyr-Racine e seus colegas consegue explicar algumas observações, mas não todas. Um exemplo disso é o espalhamento de fótons. O modelo despertou o interesse de alguns especialistas, mas eles também chamam a atenção para suas limitações. Radek Wojtak, da Universidade de Copenhague, por exemplo, considera que este é um grande esforço para um problema muito específico. Um problema muito concreto que poderia ser o maior enigma atual da cosmologia.
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